28 de fevereiro de 2007

O samba de terreiro e a mídia

No final de 2005, eu e o meu parceiro Iuri Ribeiro fizemos um trabalho de conclusão de curso sobre as influências da mídia na ascenção e na queda do samba de terreiro dos anos 30 aos anos 60. Juntamente com este relatório, produzimos um livro-reportagem, que está em proceso de ampliação.

Estou, agora, disponibilizando o relatório para vocês se aprofundarem mais neste doce tema que é samba de terreiro.

15 de fevereiro de 2007

Wilson Moreira - Peso na Balança (1986)

A primeira vez que escutei um samba de Wilson Moreira foi na roda de samba. Foi o samba Senhora Liberdade. Pouco depois, escutei o disco Partido em 5 volume 1. Gostei de sua participação e de seus sambas. Algum tempo depois, descolei o legendário LP A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes. Pronto. Foi o suficiente para eu tornar-me fã do “Alicate”. Suas composições são extremamente poéticas e sua levada é muito boa, cadenciada. Logo conheci mais de sua obra, inclusive o outro disco em parceria com Nei (O partido muito alto de Wilson Moreira e Nei Lopes), seus dois CDs solos (Okolofé e Entidades I), além de outras participações em antigos LPs. Só não conhecia seu disco solo de estréia Peso na Balança...

Logo descobri que este álbum só existia em LP ou CD importado. Estranhei. Como pode um CD de um artista brasileiro ser importado? Pode sim. Quando a indústria fonográfica nacional não valoriza seus talentos, é preciso um japonês - o produtor artístico Katsunori Tanaka - para que pérolas, como o disco Peso na Balança, pudessem ser gravadas.

Depois de muita busca, consegui achar o disco para baixar na Internet. Escutei pensando que seria um ótimo disco, como todos do Wilson. Qual foi a minha surpresa quando vi que se tratava do melhor álbum solo do Alicate. Uma preciosidade. O violão de Raphael Rabello permeia os sambas com muita categoria. Arranjos primorosos. E as composições do mestre... Divinais.

A única que eu já conhecia é a clássica Deixa Clarear. Conheci nas rodas de samba das Perdizes. Aliás, há uma infinidade de samba que eu conheci nos pagodes antes de escutar em disco ou em CD (ou mp3). Desconheço composições do Wilson Moreira que não sejam fortemente carregadas da mais bela poesia. Um dos maiores poetas do samba, com palavras sábias. A letra de Deixa Clarear é ao melhor estilo Wilson Moreira. Assina a composição, também, seu mais constante parceiro, Nei Lopes

Deixa Clarear (Wilson Moreira e Nei Lopes)


Ainda é madrugada, deixa clarear
Deixa o sol vim dourar os cabelos de aurora
Deixa o dia lá fora cantar a canção dos pardais
É cedo meu amor, fica um pouquinho mais
Ainda é madrugada, chega mais pra cá
Espera clarear

Deixa que o sol nos encontre no arco do amor
E chorando de inveja vai morrendo de dor, se for
Só quando a lua no céu se deitar para dormir
No seu leito de estrelas é hora de ir, de ir
Mas quando o sol se ofuscar na luz do seu olhar
É melhor outra vez esperar clarear, clarear.


Wilson fundou a Ala de Compositores da Mocidade Independente de Padre e tem até um samba em homenagem à sua primeira escola. Mas ele é Portela. Mais um grande compositor da Azul e Branco. Seu samba Portela e seus encantos é um verdadeiro hino:

Portela e seus encantos (Wilson Moreira)
Dá gosto a gente ouvir
Faz lembrar os bons tempos da Jaqueira
João da Gente cantava bem alto
Tenho recordação do velho Ventura
Paulo da Portela, Rufino, Caetano e seu Alcides já falavam:
Essa escola vai vencer
E afirmaram: é a Portela, sinhô
Fico todo prosa quando vejo as baianas
Estilo de um carnaval

Velha Guarda, seu nome é tradicional
Portela, clamo tanto a sua vitória
Sinto em você todas as raízes
A sua história condecora muitas glórias nos anais
Gosto de lembrar seus lindos cantos
Tem gente antiga e cantam sambas de verdade
Você é minha vaidade e tenho como ideal
Lindos sambas no terreiro nos trazem emoção
Seu carnaval desperta o mundo inteiro



Se eu fosse transcrever todas as letras belas e poéticas do Peso na Balança, iria ter que transcrever todas. Mas tem um samba que é emocionante de tão belo. Que poesia de amor! Mais uma vez, com seu inseparável parceiro Nei. Que parceria!!!

Quero você (Wilson e Nei)

Será, ô, será que você ainda não percebeu
A modificação que me ocorreu?
Será, ô, será que você não vê pelo meu olhar
Que nada neste mundo vai calar
Minha vontade de dizer
Que eu amo você
Amo você, quero você
Se eu pudesse ir ao fundo dos mares do mundo
Pra buscar tudo no mar
Pra te ofertar
Se eu pudesse ir ao céu e trazia o luar
Só pra te dar

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Quando será que a música popular brasileira vai começar a valorizar o mestre? Será que vão esperar ele morrer? Espero que não. Ele merece as flores em vida.

Avaliação: ***** (excelente)

13 de fevereiro de 2007

Homenagem ao Mestre Pixinga

Ouvir um choro de Alfredo Viana Costa, o nosso Pixinguinha, é um dos raros prazeres da vida. Sua genialidade e, sobretudo, a perfeição alcançada nas mais diferentes escalas da área musical o colocam no mais alto patamar da música popular brasileira.

Como flautista, atingiu o mais alto nível. Era menino e já desbancava muita fera. Certa vez, ainda menino, substituiu um grande flautista Antonio Maria Passos no Teatro Rio Branco. Sua interpretação foi muito melhor do que a do substituído, já que ele não se limitava a tocar a partitura e fazia volteios e improvisações na música. Desde cedo foi um exímio flautista. Com os Oito Batutas, excursionou para Paris, causando furor, pela alta qualidade, e causando furor aqui, por serem negros e representarem o Brasil no exterior. Na volta da Europa, Pixinga trouxe um saxofone, instrumento que logo adotaria de vez.

E se como flautista ele já havia encantado a todos, o mesmo se deu com o saxofone. Ele não solava, deixava que Benedito Lacerda, outro excepcional flautista, solasse. Ele se limitava (como se houvesse limitações para Pixinguinha) a fazer o contratempo, tocando o sax sempre em segundo plano. Aí ele inventou algo novo. Sua maneira de acompanhar o solo da flauta era algo inovador. Quando Dino Sete Cordas começou a tocar violão de sete cordas, ele o fez inspirado nas “baixarias” que Pixinguinha fazia no sax.

Pois bem, muitos são ótimos intérpretes. Mas Pixinguinha ia além. Como compositor, também foi insuperável. Seus choros Carinhoso, Lamentos, Vou vivendo, Naquele tempo, Ingênuo (seu choro predileto) estão aí para mostrar isso: ele foi o maior compositor de choros de todos os tempos. Além disso, compôs sambas, frevos, maracatus e fox-trotes.

Não bastasse isso, ele fez muito mais. Foi maestro e arranjador de primeiríssima linha. Muitos artistas de sucessos cantaram acompanhados (e regidos) pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e muitos sucessos da música popular brasileira tiveram arranjos (e introduções, como a clássica entrada de Aquarela do Brasil) do mestre.

Um ser divinal. Um gênio da música que atingiu a perfeição em todas as escalas. E um ser iluminado como ele só podia ter a morte que teve. Morreu dentro da Igreja Nossa Senhora da Paz no momento em que ia batizar um filho de um amigo. Nesta hora, a chuva começou a cair. E lá se foi Pixinguinha. Para o reino da eternidade, reger os acordes divinais que não devem ser muito diferente dos seus, feitos aqui, na Terra.

8 de fevereiro de 2007

Um SHOW de roda de samba


Há alguns anos atrás, travei conhecimento de uma organização de sambistas chamada Grêmio Recreativo de Tradição e Pesquisa Morro das Pedras. Conheci o Roberto, do surdo, por intermédio de uma grande amiga minha, que estudou Sociologia com ele. Nos sambas do Morro das Pedras, senti-me em um terreiro de escola de samba das antigas. Eles fazem samba como se fazia quando o samba ainda era puro. Eles faziam samba como o samba era feito na Portela nos anos 30, 40, 50...

Sendo eu um amante do samba legítimo, fiquei apaixonado por aquela roda de samba com 20 pessoas, fazendo um samba cadenciado, equilibrado, sem atropelos e sem aceleração. Tinha três violões, quatro cavaquinhos, duas cuícas, três pandeiros... Era uma roda de samba típica dos terreiros que já não existem nas escolas de samba. Uma roda de samba sem microfone. Tudo no gogó mesmo. Todos cantavam no coro e o solista soltava a voz. Os partideiros cantavam bem, além de serem exímios versadores. Fiquei realizado. Aquele era o modelo de roda que eu gostaria que todos seguissem.

O G.R.T.P. Morro das Pedras, além de proporcionarem um belo espetáculo de samba, também (e principalmente) atuavam na pesquisa de antigos sambas de terreiro. Eles resgatavam antigos sambas de terreiro e a cada encontro um grande sambista do passado era reverenciado e revalorizado. Nomes como Aniceto da Portela, Carlos Cachaça, Silas de Oliveira, Paulo da Portela, entre outras cobras, foram homenageados. Além disso, também faziam um belo trabalho social na comunidade de São Mateus.

Com o tempo, voltei mais vezes nos encontros do Morro. Cristina Buarque de Holanda sempre aparecia por lá. E mais, ela, no fundo, era uma das pesquisadoras do Morro, já que ajudava, e muito, com suas fitas cassetes, com gravações de antigos sambas (vários deles, inéditos) de velhos bambas da Portela.

Qual não foi minha surpresa quando eu descobri que a Cristina Buarque iria se apresentar com o grupo Terreiro Grande. Quando li sobre o show, soube que o Terreiro Grande era formado por pesquisadores de samba de terreiro, de São Mateus, eu logo pensei que se tratava da turma do Morro. De fato, era. O Morro das Pedras acabou no final do ano passado, dando origem ao Terreiro Grande.

Fui para o show esperando ver aquilo que eu vira nas rodas de São Mateus. Foi o que aconteceu. Uma roda de samba com mais de 15 pessoas acompanhou a Cristina. Nada de baixo e bateria como nas apresentações de Elton Medeiros, Dona Ivone Lara, etc, nos teatros do SESC. E se a roda era fantástica, o que dizer do repertório? Cabe a transcrição:

O meu nome já caiu no esquecimento (Paulo da Portela)
Conversa puxa conversa (Francisco Santana)
Não pode ser verdade (Alberto Lonato)
Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato)
Você me abandonou (Alberto Lonato)
Quantas lágrimas (Manacéa)
Já chegou quem faltava (Nilson Gonçalves)
O mundo é assim (Alvaiade)
Jura (Zé da Zilda, Marcelino Ramos e Adolfo Machado)
Meu primeiro amor (Alcebíades Barcelos e Marçal)
A lei do morro (Silas de Oliveira e Antônio dos Santos)
Quem se muda pra Mangueira (Zé da Zilda)
Assim não é legal (Noel Rosa de Oliveira)
Água do rio (Anescarzinho do Salgueiro e Noel Rosa de Oliveira)
Esta melodia (Bubu e José Bispo)
Ando penando (Alcides Dias Lopes, o Malandro Histórico da Portela)
Perdão, meu bem (Cartola)
Nem é bom falar (Ismael Silva, Francisco Alves e Nilton Bastos)
Na água do rio (Silas de Oliveira e Manuel Ferreira)
Vou navegar (Ernâni Alvarenga)
Inspiração (Candeia)
Banco de réu (Alvaiade e Djalma Mafra)
Você chorou (Silvio Fernandes, o Brancura)
Apoeteose ao samba (Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola)
Lenços Brancos (Picolino da Portela)
Sentimentos (Mijinha)
Conselhos de mamãe (Manacéa)
Brocoió (Zé Cachacinha)
Quando a maré (Antonio Caetano)
Confraternização I (Walter Rosa)
Portela (Zé Kéti)
Desengano (Aniceto da Portela)
A maldade não tem fim (Armando Santos)
Embrulho eu carrego (Alvaiade e Djalma Mafra)
Vida de fidalga (Alvaiade e Francisco Santana)
Fui condenado (Mijinha e Monarco)
Teste ao samba (Paulo da Portela)
Tu me desprezas (Paulo da Portela e Cartola)
Cantar para não chorar (Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres)

No bis, alguns partido-altos muito bem versados por Roberto e Careca.

É um repertório espetacular, só “brasas” mesmo. Alguns destes sambas são inéditos: Inspiração (Candeia), Conselhos de mamãe (Manacéa) e Tu me desprezas (Paulo da Portela). Lindos sambas. Um roteiro impecável.

Emocionado, cantei os sambas. Encantado com aquela maravilhosa roda. Quando Cristina começou a cantar Já chegou quem faltava de Nilson Gonçalves, o Terreiro ficou Grande mesmo, porque entrou o segundo cavaco, o coro, mais tamborins, cuíca... Nessa hora, me arrepiei inteiro. Lágrimas surgiram no canto dos meus olhos. Nunca, antes, eu tinha visto um show como aquele. Já presenciei e participei de rodas maravilhosas, mas uma apresentação, um show como aquele, eu nunca havia visto.

Foi uma apresentação de samba puro, sem deturpações. Tocaram samba como se tocava antigamente. Ao final, ovação. Onde estavam escondidos estes sambistas? Pesquisando samba bom. Cristina sabe bem. Para a turma do Terreiro Grande, samba é alegria, amor, paixão, inspiração, despido de qualquer caráter comercial. Se outros grandes sambistas do Rio vissem esta apresentação, passariam a se apresentar exclusivamente com eles. Lembrar-se-iam de como eram bons os terreiros da antiga.

Ao total serão oito apresentações no Teatro FECAP. Imperdível. Fernando Faro, produtor musical que não é bobo nem nada, irá gravar um programa ENSAIO a partir deste show. Será um documento do samba de terreiro. Nada mais justo que Cristina Buarque (e o Terreiro Grande) seja a porta-voz. Afinal, ela é o documento do samba em pessoa.

Avaliação: ***** (excelente)
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